quinta-feira, 17 de setembro de 2015
quarta-feira, 16 de setembro de 2015
Aylan Kurdi e o menininho de Dostoiévski
A imagem vinda à mente foi do conto de Dostoiévski
(1821-1881) – “A árvore de Natal na casa do Cristo”, onde havia um “menininho”,
como era chamado, com 6 anos. Aylan Kurdi, era o menino sírio de 3 anos
encontrado morto numa praia da Turquia dias atrás. Os dois meninos estão separados
por 139 anos, contudo, as denúncias são análogas e próximas de nós, mas
invisibilizadas por muitos.
A morte de Aylan é fruto de uma guerra atroz na
Síria há anos e recém-arrasada pelo “Estado Islâmico”. A família Kurdi, desesperada
fugiu para não ser tragada pela guerra, mas acabou tragada pelo mar. Na
história de Dostoiéviski, é denunciado um contexto social desumano, após o “menininho”
se deparar com a morte da mãe num porão frio numa manhã de Natal. O “menininho”
busca espaço numa sociedade abastada, contudo ignorante ao sofrimento alheio. Vê
pessoas aquecidas e divertidas, mas ninguém o permite desfrutar um pouco de toda
fartura. Aylan e o “menininho” retratam sociedades indiferentes e “encurvadas
em si mesmas”.
O irmão de 5 anos e a mãe de Aylan, morreram na
travessia infausta do mar, sendo o pai o único sobrevivente. Aliás, dezenas de
crianças, homens e mulheres perecem pela inabilidade humana de procurar a paz e
empenhar-se por alcançá-la. Creio que a comoção por Aylan teve a ver com o modo
como ele foi encontrado na beira do mar, como se estivesse dormindo de bruços,
enquanto o “menininho” de Dostoiéviski foi achado morto junto a um monte de
lenhas. Tais histórias entrecruzam-se e apontam precisa reflexão sobre a
humanidade e nossas expectativas sobre ela.
O consumismo desenfreado corre célere atualmente. O
tempo presente coisifica pessoas e personifica coisas. É preciso refletir sobre
os rumos da humanidade. Não podemos crer que isso seja um problema de lá, do
Oriente Médio, da Europa ou de outro lugar. Tal realidade bate à nossa porta.
O “menininho” de Dostoiéviski reencontra sua mãe no
céu, onde diz que lá terá o que não teve em vida, como a árvore de natal que
ele viu na vitrine e não pode se aproximar. Existe um possível hoje e
precisamos fazê-lo sem contemporizar, não vivendo tão concentrados na
satisfação das vontades, nem tampouco exercendo uma fé apenas para o além, no
imponderável céu.
Deste modo, hoje, ouviremos deles: “porque eu tive
fome, e vocês me deram de comer; eu tive sede, e vocês me deram água; eu era um
estranho, e vocês me convidaram para suas casas”.
Publicado em 12/09/2015 no Jornal Notícias do Dia:
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